08/03/2013
Patrícia Pillar entrevista.
Termina nesta sexta-feira (8) a novela "Lado a Lado", da TV Globo, com o mérito de ter brindado o público com um dos três principais papéis da atriz Patrícia Pillar na televisão. Em entrevista ao UOL na noite de quinta-feira, logo após ter encerrado as gravações do folhetim no Projac, Patrícia colocou sua ex-baronesa Constância Assunção junto a Flora (de "A Favorita", de 2008) e a Luana (de "O Rei do Gado", de 1996) entre seus trabalhos mais significativos na teledramaturgia.
Segundo ela, Constância tem importância porque é uma personagem que não pertence ao passado. E compara o preconceito social que ela expõe contra pobres, negros e mestiços à nova classe média. "É mais ou menos aquela coisa de hoje em dia, dessa elite que tem horror à nova classe média, a tal classe C, e que fica escandalizada de ver essas pessoas frequentando teatro, aeroporto ou praia".
UOL - A Constância tem atitudes odiosas, mas, ao mesmo tempo, ela é capaz de demonstrar doçura com o neto. E, assim como construiu Flora de "A Favorita", você tem um repertório de emoções que consegue despertar empatia e repulsa no telespectador. Como você faz isso?
Patrícia Pillar - Primeiro porque eu acho que todos nós somos assim. E quando você olha um personagem de uma só maneira você o empobrece. A graça que eu vejo no meu trabalho é a de me aproximar daquela pessoa e tentar conhecê-la. Quando você vê algo ou alguém de longe, você não vê a pessoa pequena? Conforme você se aproxima, começa a ver as coisas que de longe você não via. É uma aproximação amorosa que você tem que ter com a personagem, mesmo quando ela é horrorosa.
Quando vemos Constância expondo todo seu preconceito social contra pobres, negros e mestiços, é possível encontrar paralelo com o caso do metrô no bairro de Higienópolis (SP), em 2010, no qual um grupo de moradores foi contra a construção de uma estação a fim de evitar o fluxo de camelôs, mendigos e "gente diferenciada". O que você acha?
Eu acho que essa expressão "gente diferenciada" poderia caber perfeitamente no discurso dela. Porque não há nada mais classista e excludente que esse tipo de pensamento. Mas uma das graças dessa personagem é exatamente essa. Embora ela seja de 1910, Constância vive nos dias de hoje.
Você estudou muito sobre o Rio de Janeiro do começo do século 20?
Sim, li bastante sobre o período. É um período que te permite entender porque somos e como nos tornamos essa república de hoje, pois ali aconteceu o nascimento da república. Todos aqueles personagens vivem como hoje. A Laura [Marjorie Estiano], que é a filha criada para o casamento que quer ser independente; o Albertinho [Rafael Cardoso], que é o filho mimado e fraco; o jornalista idealista na figura do Guerra [Emílio de Melo]; o Bonifácio [Cassio Gabus Mendes], que é o político corrupto e um mau empresário... São todos arquétipos muito fortes. Essa novela tem uma parte cultural muito forte. Mostra como o samba chegou, como o futebol deixou de ser elitista para se tornar popular, como a cultura negra foi absorvida e a elite que não queria ser brasileira mantendo sempre os olhos na Europa. Enfim, são os brasileiros.
A Constância também parece o arquétipo do Brasil Império: escravagista, aristocrático e ultrapassado...
Ela é o Império que se recusa a ir embora e que não foi embora até hoje. Porque o Brasil ainda é um país racista e machista, o que se prova pelas diferenças salariais e sociais de hoje em dia. A Constância é a moralista hipócrita, a corruptora que compra o juiz, que compra o silêncio, que manipula as coisas com o objetivo de favorecer a si mesma.
E o problema dela com Isabel (Camila Pitanga) não é apenas racismo, é?
Era uma relação de antagonismo, especialmente porque a Isabel é para a Laura o que a Constância nunca conseguiu ser como mãe. É um pouco de racismo, de como ela expõe sua feminilidade, mas principalmente ela tem raiva da liberdade que a Isabel tem. É mais ou menos aquela coisa de hoje em dia, dessa elite que tem horror à nova classe média, a tal classe C, e que fica escandalizada de ver essas pessoas frequentando teatro, aeroporto ou praia.
Você disse que o Brasil é machista, e a novela discute o papel da mulher na sociedade. Você, que é uma mulher que não tem filhos, já sentiu esse tipo de pressão social em relação à maternidade?
Eu nunca parei para perceber isso. Se teve eu não percebi, mesmo porque isso nunca foi uma questão para mim. Mas eu acredito que tenha sim, só que nesse ponto eu sou como Laura, levo a minha vida como eu acho que devo, não como as pessoas esperam.
Como você observa a relação de Constância com Laura?
Primeiramente eu queria elogiar a Marjorie. Ela é uma atriz espetacular, viva, inteligente, não é lugar comum. Então para a gente foi um desafio muito grande fazer esses dois papeis. Era uma relação de mãe e filha que era cheio de desentendimento, em que uma tentava impedir a outra de realizar seu sonho, em que não havia admiração, mas que tinha de ser permeado de amor. Além de elogiar a Marjorie e a Camila, quero elogiar também o Rafael Cardoso e chamar a atenção para a relação edipiana dele com a Constância, de como ela tinha ciúme daquele filho. E tem uma cena que fizemos juntos, muito curta, quando ele diz para ela que não ama a Ester (Rhaisa Batista) e ela responde que sempre soube que ele não a amava e que, por isso, era mais fácil de entregá-lo.
Como foi seu estudo para compor essa personagem?
Basicamente todas as respostas estavam no texto. Isso dá muita segurança ao ator. E a construção de um bom personagem, como esse, se dá quando acontecem duas coisas agradáveis: texto bem escrito e, ao mesmo, liberdade de criação. Nessa novela, nunca cheguei em casa para ler os roteiros e dizer: "Não concordo com esse caminho." E é muito comum de acontecer o contrário. Não vou citar casos para não parecer crítica a esse ou àquele autor, mas a gente às vezes discorda do rumo que o personagem está tomando. Isso pode ser desafiador, pois você se permite acreditar no outro, mas às vezes você apenas reafirma a sua visão, de quem está dentro do personagem. Especialmente porque o autor tem que se preocupar com a criação de outros personagens.
Se você fosse escolher as três melhores personagens suas na TV, quais seriam?
Luana, de "O Rei do Gado", porque eu adoro o texto do Benedito Ruy Barbosa; a Flora, de "A Favorita"; e a Constância por tudo que já disse anteriormente.
Falando em Flora, por que você acha que ela se tornou uma personagem tão carismática?
Naquele ano [2008] eu tinha decidido que não iria fazer novela, mas quando me apresentaram a Flora, a curiosidade foi maior. Eu já sabia que ela seria má desde o começo, mas eu queria ver a novela hoje de novo para ter certeza de que fiz com coerência. Porque a história dela era crível. Eu parecia inocente porque ela queria parecer inocente. E a Claudia [Raia] se mostrava truculenta porque ela precisava se defender daquele monstro. E o público se deixa enganar pela imagem, né? Eu pareço frágil, sou clarinha, enquanto a Claudia é grandona e estabanada. Acho que foi por isso que funcionou.
Qual a sua cena preferida da Flora?
Olha, tem duas: a morte do Gonçalo [Mauro Mendonça], em que ela o mata de susto, e a cena da festa em que ela vai anunciar sua volta aos palcos e contrata um monte de gente para ver sua apresentação cantando "Beijinho Doce". Aí aquelas pessoas não a aplaudem e ela joga na cara de todo mundo que eles têm que aplaudir porque ela pagou (risos). A Flora era engraçada.
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