24/02/2013

Entrevista

A atriz está no ar como a vilã Constância de ‘Lado a lado’, que entra em sua reta final esta semana


Ela se diz orgulhosa da trama das 18h: ‘Fico mais satisfeita, como artista, de estar numa obra que tem coisas a dizer’

RIO - Patricia Pillar, quem diria, é uma mulher tímida. Chega a apertar as mãos de nervoso ao posar para as fotos e, insegura, pede que a fotógrafa seja generosa na hora de escolher suas melhores poses. Parece quase um contrassenso vindo de alguém que é constantemente considerada uma das mulheres mais bonitas do país, mas prova apenas algo fácil de compreender após uma conversa com a atriz: sem qualquer sinal de afetação, ela é mesmo gente como a gente e mantém os dois pés bem fincados no chão.

Gravando freneticamente as cenas da reta final de “Lado a lado”, que termina no início de março, ela conversou com a Revista da TV no Projac, após um dia intenso de trabalho. Ainda retirando o aplique de cabelo usado para viver a vilã Constância na trama das 18h, Patricia fala de uma infinidade de assuntos, mas uma palavra permeia quase tudo o que diz: liberdade. É um dos motivos, por exemplo, que a levou a aceitar o papel — mesmo após ter feito uma outra vilã, a emblemática Flora de “A favorita”:

— Quando a gente faz uma personagem tão forte quanto a Flora, a tendência é que aquilo te oprima, te enquadre. E eu detesto me sentir enquadrada, gosto de ser livre para escolher. Só porque fiz uma vilã de sucesso agora não posso fazer outra? Claro que posso, vou lá ver qual é.

E ela não se arrependeu. Patricia se diz orgulhosa por ter participado da trama e ressalta o frescor dos dois autores estreantes — João Ximenes Braga e Claudia Lage — em sua escolha de temas como o principal motivo para sua satisfação.

— Esta novela só me trouxe alegria. Achei muito rico e saboroso passar por questões da nossa história que foram as bases para determinar o que é a cultura brasileira hoje, com o futebol, a capoeira, o surgimento das favelas — elogia a atriz. — Não vejo problema em existir entretenimento vazio, mas eu fico bem mais satisfeita como artista de estar numa obra que tem coisas a dizer.

É nessa relação entre o período que serve de cenário para a trama de “Lado a lado” — o início do século XX — e os dias atuais que a atriz vê um dos aspectos mais interessantes do desenvolvimento de Constância. Para Patrícia, a deformação de caráter da vilã, que tem dificuldades em aceitar as mudanças sociais e não mede esforços para manter seu status, é bem similar ao comportamento de parte da elite brasileira hoje:

— Ela é como aquele pessoal que reclama de corrupção mas quer subornar o guarda, não quer pagar imposto. Reclama, mas não dá o que é seu. É egoísmo e pouco espírito de justiça, de coletividade. Infelizmente, ainda há quem se comporte dessa maneira.

O papo sobre as revoluções sociais retratadas em “Lado a lado” rende uma série de reflexões entusiasmadas por parte da atriz, mas é na hora de falar dos desafios de gênero que Patricia volta a usar aquela palavrinha tão cara para ela: liberdade. Vendida desde o início como uma trama sobre “o nascimento da mulher contemporânea”, a novela das 18h mostrou desafios importantes enfrentados pelo sexo feminino na busca pela independência.

Hoje, já com mais experiência nessa estrada, as moças estão precisando mesmo é de equilíbrio, segundo Patricia.

— Talvez o maior desafio hoje seja perceber para que estamos buscando a liberdade. A gente foi com muita sede ao pote na tentativa de adquirir essa independência, porque era necessário. Mas toda essa gana nos fez abrir mão de certas coisas muito valorosas para a mulher, como feminilidade, delicadeza e sutileza. A mulher está um pouco bruta. Talvez agora seja a hora de a gente aposentar um pouco as armas. Mas só um pouco — define, rindo.

Patricia, por sua vez, não tem nada de bruta. Só fica irritada mesmo quando o assunto são os paparazzi. Conhecida por resguardar sua vida pessoal, ela diz que o caminho para conseguir isso é manter uma certa compostura. Mas, em muitos momentos, não é o suficiente. Haja vista a quantidade de vezes em que seu nome aparece em notícias sobre supostos romances.

— O que tenho a oferecer para o público é o meu trabalho. E já tem tanto de mim nele! Minha vida pessoal não está disponível. Mas hoje em dia a gente lida com uma rede perversa. As pessoas deduram onde você está. Então, às vezes você é roubado. Por que acho, sim, que isso é um tipo de roubo. E não gosto disso. É uma sensação ruim. Por isso, sugiro que as pessoas não comprem mercadorias roubadas. É importante que percebam que o que estão consumindo é feito à revelia das pessoas — diz a atriz, sem isentar o público. — Acho que quem lê essas revistas também tem responsabilidade e precisa saber disso. O grande problema não é só você ser “flagrado comprando o jornal”, já que isso é notícia agora, mas a maneira como isso é conseguido. Tudo isso traz um mal-estar e me dá dó das pessoas que se prestam a esse papel — opina.

E é em parte por causa da quantidade enorme de fofocas e “informações erradas” que circula por aí que Patrícia decidiu, recentemente, criar um site oficial. Previsto para entrar no ar em abril, o patriciapillar.com.br vai reunir informações biográficas e profissionais da atriz, além de sua movimentação nas redes sociais. Hoje, já inclui as fotos de Patricia no Instagram, única das redes sociais que ela diz realmente gostar e onde costuma postar imagens de bastidores de cena, do cotidiano ou de seu cachorro:

— As pessoas hoje em dia pegam tudo na internet. Mas tem muita coisa errada, já criaram Twitter com meu nome... Então achei melhor ter uma fonte na rede com informações corretas. O site já está até com um visual bonitinho.

Ligada nas mudanças tecnológicas, Patricia acha que é obrigação do ator acompanhar as novas formas que as pessoas descobrem para se comunicar:

— A forma de ver televisão mudou com a tecnologia. Essa produção que é feita para celular e internet tem uma coisa arejada, que é interessante para prestar atenção. Não que vá mudar o trabalho do ator na essência, mas a maneira de se expressar está sempre mudando. Se você pegar um filme de 50 anos atrás, vai ver que a interpretação é bem diferente.

Do outro lado da tela, como espectadora, a atriz analisa outras transformações dos últimos anos — não apenas na forma, mas também no conteúdo.

— Em matéria de temas a gente enriqueceu muito. A nova classe média serviu para a televisão finalmente olhar para essas pessoas. Foi preciso que elas adquirissem poder de compra. Mas que bom! Porque isso fez muito bem para a nossa dramaturgia. Daí veio o gás de “Avenida Brasil”, a renovação de “Cheias de charme”, aquele espetáculo que foi “Subúrbia”. E não é só aqui: nos Estados Unidos, a inovação de linguagem está na TV. Acho legal ver a televisão assumindo essa possibilidade que ela tem de renovação. A gente só tem a crescer mais ainda.

No controle remoto de Patricia reinam absolutos os canais de futebol. Rubro-negra de coração, ela assiste, é claro, às partidas do Flamengo. Mas não se restringe a isso: gosta de bons jogos. No dia anterior à entrevista, acompanhou a disputa entre Flamengo e Botafogo pelo Campeonato Carioca — “Esse foi um jogão”, comenta. Mas não perde as atuações de Barcelona, Real Madrid e Milan. Aos domingos, mais uma atração mantém a atriz em frente à tela: o “Esquenta”, comandado por Regina Casé. Patricia se derrama em elogios à atração:

— É o programa mais importante que a gente tem hoje na TV, pelo que ele propõe e pelo que realiza. Esse encontro que o “Esquenta!” promove é de uma generosidade... É enxergar o Brasil com a riqueza que ele tem. Ali eu vejo o respeito ao que a gente é, à nossa cultura. O programa exala o que temos de melhor, a pluralidade e tudo que a gente pode ser — defende Patricia, fazendo um contraponto com o que vê de ruim na televisão: — Outros programas nos colocam num lugar que não acho que seja o nosso. Não me reconheço ali. Tem vários (programas) assim. O “Big Brother Brasil”, por exemplo, eu acho um lixo. Só mostra o que a gente tem de pior.

Iniciativas como o “Esquenta” representam, para ela, exatamente aquilo que a arte pode fazer para melhorar o país.

— Eu acho que é ou deveria ser natural que o artista em geral seja alguém com desejo de mudar, interessado no outro. Porque nosso trabalho é se colocar no lugar do outro. Eu vejo o que acontece à minha volta, acredito que transformar é uma função importante do artista. Uns usam e outros não. Essa turma do “Esquenta!” está fazendo isso.

Após o fim de “Lado a lado”, Patricia tira férias. Entre os futuros projetos estão alguns papéis do cinema, sobre os quais diz que ainda não pode falar. A atriz, que teve sua primeira experiência como diretora no documentário “Waldick, sempre no meu coração”, de 2008, até tem vontade de voltar à função. Mas os personagens interessantes que lhe são oferecidos sempre acabam adiando a ideia. Não que ela esteja reclamando:

— Há uns 20 anos acho que vou largar a profissão. Mas aí aparece um novo desafio, e me ilumina outra vez. Gosto muito de ser atriz. A chance de me aproximar de tantas realidades que eu não viveria... Sempre que chega um personagem novo, eu penso: “Meu Deus, não vou saber fazer isso. Não sei nada disso!”. Acho que eles aparecem para ajudar a descobrir coisas em mim. Eu pego carona nos personagens para ir em certas regiões desconhecidas. Enriqueci minha experiência de vida com eles, evoluí, alarguei meu horizonte.

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