Poderia ser mais uma novela de época, como tantas outras que já passaram pela telinha e marcaram a faixa das seis horas na grade de programação da Globo. Mas, não foi. 'Lado a lado', novela escrita por João Ximenes Braga e Claudia Lage, mostrou-se muito mais do que apenas um trecho da história do 'Brasil pretérito'. Mostrou-se um delicado enredo sobre um Brasil presente, cínico, incoerente. E perturbador.
Trama de forte apelo crítico (principalmente no que tange o preconceito racial e a desiguldade social), 'Lado a lado' foi irretocável em seus quesitos técnicos, com fotografia, figurino, direção de arte e trilha sonora (moderna e desgarrada do contexto cronológico) sempre emoldurando o desenrolar da história. Um primor visual e para os ouvidos.
Sob a batuta de Vinicius Coimbra (do núcleo de Dennis Carvalho), o folhetim teve uma direção sóbria, sem grandes arroubos criativos, mas adequada a um texto que merecia ser bastante valorizado. E foi. Não somente por seu diretor e assistentes, como também por seu elenco. Este, sim, o ponto mais forte de 'Lado a lado'.
Nos despedimos de um embate marcante entre duas mulheres. Uma vilã elitista vivida com maestria por Patrícia Pillar e uma mocinha determinada a quebrar preconceitos (sem 'coitadismos'), com o toque de charme e talento de Camila Pitanga. Constância e Isabel duelaram por toda a novela, carregando em si muitas questões ainda negligenciadas por nossos olhos. Em tempo: sem qualquer sopro de didatismo.
A crueldade do racismo, o surgimento das favelas do Rio de Janeiro, a força da capoeira como elemento cultural de resistência: estas e outras questões foram levadas à telinha contextualizando uma 'novela de época' que poderia ser apenas mais uma a desfilar serenatas sob janelas, espartilhos e nobres bengalas. Não, vimos uma novela cerebral. Teledramaturgia de primeira, mas racional. Mergulhando em um microcosmo romantizado de nossa história, mas sem qualquer esboço de alienação.
O grande mérito de 'Lado a lado' foi reunir um time afiadíssimo (destaque também para Marjorie Estiano, Lázaro Ramos, Caio Blat, Débora Duarte, Alessandra Negrini e Milton Gonçalves), abençoado com um texto enxuto que levou ao telespectador um passado relativamente distante com efeitos que ecoam no presente de todos os brasileiros.
João Ximenes Braga e Claudia Lage tiraram da zona de conforto o termo 'novela de época'. Estavam lá a mocinha, a vilã, os mocinhos e os coadjuvantes. Mas também estava nossa história, esta protagonista que, quando é bem contada, nos enche os olhos.
No entanto, a audiência da trama não reflete o alto nível qualitativo de 'Lado a lado': média final de 18 pontos no Ibope, a pior da história dentre as novelas do horário. 'Amor, eterno amor', sua antecessora, fechou sua trajetória com média final de 23 pontos. Mas, a esta altura dos acontecimentos, é fato: 'Lado a lado' será muito mais lembrada por sua elegância politizada e seu texto requintado do que por seu Ibope crítico. Ainda bem.