Eu me sinto bem defendendo o que penso. Mas guardo espaço pra mudar de opinião.
Patrícia Pillar
A mais perfeita tradução
Para decifrar Patrícia Pillar, conjugue a beleza solar e a alma complexa da atriz que, aos 49 anos, sabe levar a felicidade para o chão do dia a dia, mesmo que não se permita mais “certas ingenuidades”. Vestida pelo estilista Samuel Cirnansek, ela fala com carinho do ex Ciro Gomes e brinca que há 20 anos pensa em largar a profissão.
Patricia Pillar. Patricia Pillar, ponto. Alguma coisa mais a dizer? Não é a primeira vez que, ao entrevistá-la, ela me desafia, me intriga e me desconcerta. Por mais gentil que Patricia seja, alegre, solar, falante, disponível, generosa, quase sempre extrovertida, ela me induz a um desconforto ambíguo, difícil de explicar, como se tudo o que aqui fosse dito a respeito de Patricia Pillar estivesse aquém da complexidade de sentimentos, emoções, ideias, dons, desejos, atitudes e convicções concentrados na criatura que, 49 anos atrás (11/1/1964), foi batizada em Brasília como Patricia Pillar.
Ou então pode ser que a inibição venha ao vê-la tão ciosa de si mesma, de sua vida, de sua biografia, que escrever qualquer coisa a respeito dela seria como invadir, mesmo pedindo licença, um espaço íntimo cujo acesso ela resguarda – não exatamente por pudor vitoriano digno de matrona de folhetim (como a falida Constância Assunção que ela encarna em Lado a Lado) – com a chave de sua integridade. Só Patricia Pillar conseguiria ser 100 por cento fiel a Patricia Pillar.
Moça de atitude, tem pânico de parecer artificial, fútil, fake – uma perua. Claro que não é nada disso. Mas ainda que se aferre com unhas e dentes à defesa de sua própria imagem, dá para perscrutar, nessa Patricia que também sabe ser de uma languidez enigmática, a fresta de algum mistério que nem sequer ela própria talvez tenha percebido. De mais a mais, certezas também podem ter prazo de validade. “Não sou arrogante, não sou rígida”, assegura. “Eu me sinto bem defendendo o que penso, mas guardo espaço para mudar de opinião.”
A primeira vez que a entrevistei, mais de dez anos atrás, ela me alertou: "Eu não usufruo dessa glamour que me atribuem. A verdade é que trabalho desde os 15 anos". A frase não prescreveu, Patrícia gosta de lembrar isso. Insiste, com firme delicadeza: não é que queira se ocultar dos olhos das pessoas, é que não gosta de ver projetado nela valores, ou expectativas, ou fantasias que não tenham nada a ver com ela. Agarra-se ao direito de brigar contra isso, mesmo sabendo de antemão que esse é uma briga difícil de vencer.
Se, para Patrícia Pillar, o prazer que ela reconhecidamente aspira e busca plenamente é o prazer da liberdade, a melhor parte disso é a liberdade de ser o que ela é de fato. A liberdade de escavar, e encarar, sua própria verdade - não a dos outros. Parece simples, mas, pra quem está sob o permanente escrutínio holofote midiático, não é pouco. A atriz é, por natureza, alguém que se exibe. Exibicionismo é diferente, é um tipo sórdido e barato de sedução. Vaidade, narcisismo, isso envenena e desonra", acha ela.
Patrícia é linda, magra, loira diretora de cinema (é dela o documentário sobre o brega-cult Waldick Soriano), atriz de teatro premiada ("minha casa é o palco"), estrela da globo, ganha um salário pra lá de descente ("pela dedicação e exposição que cobram da gente, devia ser muito mais"), está de bem com a vida, venceu um câncer, viveu até dezembro de 2011uma relação apaixonada de 12 anos com homem que chegou perto de fazê-la primeira-dama da república (por mais que odeio essa expressão "primeira-dama e despreze o papel decorativo geralmente conferido à mulher do presidente). Está tudo certo, não está?
“Está”, ela aceita. “Só não posso, a esta altura da vida, é me permitir certas ingenuidades.” Acreditar na felicidade será uma dessas ingenuidades? Não, a felicidade é possível e Patricia consegue trazê-la para o chão do dia a dia sem qualquer solenidade. “Desprendimento, simplicidade, troca, contato, vento, música, amor…” – eis a fórmula, se é que alguma fórmula é necessária.
“Você está namorando?” – pergunto.
“Isso só diz respeito a mim” – responde, sem hostilidade, ao contrário, com um daqueles sorrisos que iluminam o rosto dela.
“Você me respondeu” – provoco.
“Não respondi nada” – de novo, com um sorriso.
“Não respondi nada” – de novo, com um sorriso.
“Essa cara, essa expressão, não deixam dúvida” – digo, mas logo me arrependo e me desculpo. “Comentário machista, o meu, né? Como homem fizesse bem à pele de uma mulher.”
Patricia releva a derrapada: “Vai ver que faz, sim.”
Patricia releva a derrapada: “Vai ver que faz, sim.”
Não há como não saborear certo desencanto-mesmo sabendo-se que é puro egoísmo-em lembrar o belo casal que Patrícia Pillar e Ciro gomes foram e não são mais. Especialmente se você chegou a
frequentá-los com alguma assiduidade.
A história registra que Ciro aproximou-se de Patrícia depois de ver um elogio público feito por ela. Patrícia pressentia no ministro ex-governador do Ceará um político diferente dos outros. Ciro seria candidato a presidente, pela primeira vez, em 1998. Patrícia Pillar se encantou de forma que, se houvesse papel suficiente, seria capaz de embrulhar o mundo de presente para Ciro Gomes (está frase não é minhas.(...) escritor Truman Capote).
AMOR ETERNO
“Amo o Ciro para sempre”, diz Patricia. “Ele foi um companheirão quando o câncer me fragilizou não só o corpo, mas também o espírito.” Os dois se falam com frequência e Patricia continua identificando em Ciro Gomes – que no entanto parece desencantado com a política – um ideal de Brasil justo, menos desigual, “no quadro de uma visão moderna e sensível e de um jeito competente e realizador”.
“Amo o Ciro para sempre”, diz Patricia. “Ele foi um companheirão quando o câncer me fragilizou não só o corpo, mas também o espírito.” Os dois se falam com frequência e Patricia continua identificando em Ciro Gomes – que no entanto parece desencantado com a política – um ideal de Brasil justo, menos desigual, “no quadro de uma visão moderna e sensível e de um jeito competente e realizador”.
Patrícia conheceu Ciro no meio de uma campanha presidencial, jogou-se em outra, de corpo e alma, quatro anos depois, em 2002. Era até ingenuidade pergunta para Patrícia Pillar, à época, se ela iria subir no palanque do seu bem-amado. Patrícia foi, de certa forma, o próprio palanque. Se você lhe perguntasse se estava preparada para o ônus da política, ela diria que ai, ainda sim, correr o risco. "Na política, as pessoas usam de artifícios mais cruéis, pode ser que eu venha a me chocar..."
O fato é que aguentou com firmeza militante e com desvelo amoroso. Ciro largou bem, em 2002, e por um instante chegou a se iludir com a vitória."A campanha foi uma carnificina, lembra Patrícia, horrorizada. O Brasil recusou-se a ter em Patrícia Pillar a Carla Bruni que ano depois os francese teriam. "O pior é que se inaugurou essa fase de mediocridade polarizada entre o PT E O PSDB, faces da mesma moeda, comenta ela. "A última campanha presidencial (entre Dilma e Serra) foi um lixo, reflexo de uma democracia claudicante a quem a quem a impressa presta um permanente desserviço".
Fui entrevistá-la num hotel de São Paulo em um domingo de altas glórias futebolísticas (ela, flamengo de arquibancada, sentiu certa ternura pelo título mundial dos loucos). O iPod de Patrícia desfilava uma seleção de hits de Jorge Benjor em que eu pensei ouvir Seu Jorge, mas que na verdade ela me esclareceu screm Los Sebozos Portizos, braço do nação Zumbi (na música, Patrícia é rools, adepta da nova MPB e do Pop Rock brasileiro, embora uma Jolie London possa entrar no playlist dela).
Espreitei, com curiosidade, o estilista Samuel cirnansck modelar naquele corpo de bailarina os looks do ensaio. Ouvi-a falar e me lembrei de ter revisto, na véspera, um velho filme de Ingman Bergman, A paixão de Ana, em que Liv Ulmann dialogava longamente com Max Von Sidow sobre sua obcecada razão de viver: a verdade. "A minha verdade", repetiu mil vezes a Ana/Liv. Eu observava Patrícia Pillar e via Liv Ulmann. Não há nada mais parecido com Liv do que Patrícia Pillar na cena brasileira.
"Você está com mania de interpretar..." - Vilãs?", ela me interrompe."Não aristocratas", eu corrijo.É como se a tevê só dispusesse da ex-sem terra Luana (o rei do gado, de 1996) quando precisar oferecer allure nobiliárquica a alguma de suas personagens. Patrícia que já foi baronesa (imponente) em cabocla e agora é baronesa (decadente) em lado lado, a atual novela das seis, ameniza assim, no prazer do contraponto, aquela vontade enorme de um dia deixar o folhetim. "Há 20 anos penso em larga essa profissão", ri. A novela, não a tevê. O cinema espreita, next door.
Na pele da baronesa Constância, Patrícia se imiscui no imaginário da elite que, na virada do século 19, sentia saudades da escravidão. A baronesa suspira "pela volta dos bons tempos"- da submissão, dos grilhões, da chibata. "Não é muito diferente do que muita gente pensa ainda hoje", diz Patrícia. Ela sorri, mas traz no sorriso, clarão do universo, o travo de uma sincera amargura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário